Tarcísio Barreto Celestino acaba de completar dois anos na Presidência da mais importante entidade internacional de túneis – a ITA (International Tunnelling and Underground Space Association). Ele terá mais um ano à frente da entidade.
Tarcísio falou ao CBT sobre o que já foi realizado na ITA e indicou as metas para o último ano de sua gestão. O fato mais positivo diz respeito ao desempenho da indústria de túneis em âmbito mundial, que ele fez questão de salientar não ser realização sua.
“O mercado de obras subterrâneas vem crescendo muito rapidamente – mais de 7% ao ano, enquanto a indústria da construção civil cresce cerca de 3,5% no mesmo período”, afirma Celestino. “Isso foi o que de melhor aconteceu nestes últimos dois anos”.
Ele atribui o crescimento à situação da economia mundial, que vive um período de alta relativamente longo, e também às atividades desenvolvidas pela ITA, ao longo dos mandatos de vários presidentes, no sentido de disseminar o uso correto do espaço subterrâneo.
“Esse movimento não foi resultado só da minha gestão”, explica Tarcísio. “E sim o trabalho de um grupo que vem se dedicando a essa tarefa há muito tempo na ITA e nas suas member nations”.
“Gosto de repetir que o presidente da ITA não deve ser encarado como um político capitalizando realizações de sua gestão”, salientou. Como exemplo, ele citou a boa situação que a indústria de construção subterrânea vive hoje com as seguradoras, em grande parte graças ao sucesso do Código de Práticas para o Gerenciamento de Risco em Obras de Túneis, publicação conjunta do grupo internacional de empresas de seguro com a ITA. “A atuação de Harvey Parker, presidente da ITA à época da publicação, foi essencial. Retroceder aos conflitos de antes da publicação seria impensável hoje”.
Discussões de temas relevantes
A positiva entrada da iniciativa privada no mercado de túneis tem gerado, por outro lado, algumas preocupações tanto no Brasil quanto no restante do mundo. Isso se deve especialmente à falta da cultura de túneis que, muitas vezes, acaba levando as empresas a não adotar as formas de contrato mais adequadas, nem as melhores práticas do ponto de vista técnico.
A Open Session do Word Tunnel Congress 2018, que é a sessão mais importante desse evento organizado anualmente pela ITA, abordou justamente a questão dos contratos. Foi uma conversa entre financiadores (com representante do Banco Mundial), seguradores (presidente do International Tunnelling Insurance Group), projetistas, empreiteiros e donos de obras e representante de governo.
O objetivo foi conhecer as expectativas e as dificuldades de cada parte envolvida. “Foi uma discussão muito interessante e muito enriquecedora”, lembra Celestino. “Reunimos os principais envolvidos para debater o assunto. Infelizmente, são bem poucos os empreiteiros que comparecem a estes eventos. Resta-nos, portanto, enfrentar e superar o desafio de compartilhar todo o aprendizado já acumulado no âmbito da ITA com essas empresas e seus profissionais”. O presidente lamentou ainda que a prática brasileira passe ao largo dessas discussões tão importantes.
Objetivos da gestão
Foi elaborado um plano de metas para o período de 2017 a 2020 que norteia as ações da Associação. Há objetivos focados em diversas áreas, como promoção do uso do espaço subterrâneo, educação e treinamento, tornar mais efetivas a utilização e a disseminação de desenvolvimentos técnicos produzidos pelos grupos de trabalho e comitês, aproximação com a indústria etc. A gestão da Associação segue as diretrizes desse plano, estabelecendo objetivos.
Um dos objetivos é fazer com que as member nations da ITA sejam ativas. “Queremos que as member nations mais consolidadas atuem como mentoras daquelas que ainda precisam se consolidar”, explica Tarcísio. “Desta forma, as member nations mais experientes e mais ativas poderão compartilhar erros e acertos com outros países para que estes possam atingir um nível avançado de conhecimento e disseminação de informações a respeito dos benefícios das obras subterrâneas”.
Um exemplo disso é a elaboração de páginas na internet para todas as member nations. “Surpreendentemente, ainda há muitos países que não têm suas próprias páginas na internet”, destaca o presidente da ITA. “Estamos, neste sentido, oferecendo um gabarito com todas as instruções para a criação de um site e espaço gratuito para hospedagem da página no servidor da ITA”.
A ITA acredita que a criação do site é importante não apenas porque hoje é preciso estar online, mas também porque isso faz com que as member nations tenham de promover encontros e atividades para que a página tenha sempre novidades.
Outro objetivo da gestão é que as reuniões do Conselho Executivo da ITA sirvam como vetores para a promoção de eventos e para o encontro de profissionais de obras subterrâneas. “A visita da ITA aos diversos países deve ser aproveitada para a realização de simpósios, com a participação de profissionais locais e do Conselho envolvidos com obras subterrâneas”. Em fevereiro haverá uma reunião no Brasil.
Boas práticas de governança
Uma demanda recente de um dos Prime Sponsors da ITA é que a entidade se manifeste de maneira contrária à corrupção, tão prejudicial à indústria. “Concordamos com a importância do tema e já estamos trabalhando em alterações no Mission Statement para que este pedido seja atendido”, afirma Celestino. “É significativo salientar que tal solicitação partiu de uma grande empresa, não de um representante da Academia nem de um órgão financiador”.
Outra alteração, na qual o Conselho Executivo trabalha hoje com muito empenho, diz respeito às práticas de governança dentro da própria Associação. “Existe um clamor muito grande na ITA por melhores práticas de governança e mais transparência na entidade”, explica o presidente. “E isso não se dá por desconfiança das member nations que abordam este assunto. É um tema realmente importante quando se trata de uma entidade que recebe recursos financeiros de empresas, de seus Prime Sponsors e Supporters, e que precisa, ao mesmo tempo, manter-se isenta. Para mim e para muitas outras pessoas na ITA, esta é a pedra angular da entidade.”
O estímulo à indústria e à aproximação entre os diversos agentes desse segmento constitui um objetivo permanente da ITA. Tarcísio Celestino ressalta, no entanto, que esse esforço de aproximação deve ser pautado pelo respeito à ética, às boas práticas de governança e à transparência.
“É bom que a ITA promova a indústria, porque ali se produz muita inovação”, lembra Celestino. “A ITA é o fórum ideal para favorecer a transferência mais rápida das inovações e conhecimentos produzidos nos laboratórios das indústrias para os profissionais de outras áreas, inclusive da comunidade acadêmica”.
Tarcísio lembra de um episódio, ocorrido no Brasil, que ilustra bem a neutralidade necessária. Em 2005, o CBT organizava um simpósio sobre impermeabilização. Ao tomar conhecimento do evento, a ITA solicitou que aquele fosse um simpósio ITA.
Dado o peso do evento e a importância do tema, a Sika, uma empresa atuante no mercado de túneis, transmitiu sua intenção de ser a patrocinadora única do evento. O CBT aceitou, mas com uma condição: que o Comitê ficasse livre para chamar quem quisesse, inclusive entre concorrentes da Sika para atuar como palestrantes e visitantes. “Afinal, todas as empresas trabalham e produzem desenvolvimento de ponta e seria importante que tudo isso fosse apresentado no simpósio. Sabiamente, a Sika aceitou e o evento foi um sucesso”.
“Entendo e concordo com esse clamor de que precisamos ser cada vez mais transparentes e com uma governança cada vez melhor”, afirma o presidente da ITA. “Pensando nisso, já começamos a discutir alterações no Estatuto que aumentem a transparência e melhorem a governança da entidade”.
Tarcísio lembra que o Estatuto da ITA foi elaborado há quase 50 anos, quando nem havia empresas patrocinadoras ou apoiadoras e, portanto, não existia essa preocupação com a isenção. “Precisamos, agora, nos adaptarmos aos tempos modernos”. Na próxima Assembleia Geral da ITA, o Comitê Executivo fará diversas propostas de alteração neste sentido.
Publicações
A missão da ITA é promover o uso do espaço subterrâneo por meio da disseminação do conhecimento e da aplicação da tecnologia. Para atingir estes propósitos, as publicações sobre o assunto são fundamentais. Assim, o lançamento de dois livros merece destaque. “Não é que eu tenha influência direta no lançamento ou na elaboração das publicações”, destaca Tarcísio. “Mas é importante falar sobre elas, tendo em vista sua relevância para o setor tuneleiro”.
O primeiro livro é de autoria de Han Admiraal e Antonia Cornaro, chairs do ITACUS – Comitê de Espaço Subterrâneo da ITA. “O livro foi produzido de modo independente pelos autores, mas obviamente condensa todo o trabalho do ITACUS durante anos, o que é muito bom”, destaca Celestino. Intitulado Underground Spaces Unveiled: Planning and creating the cities of the future, o livro é considerado um marco. “O trabalho do ITACUS já conseguiu mostrar para muita gente os benefícios das obras subterrâneas. Não tenho dúvidas de que, com essa publicação, esse efeito de multiplicará. É a soma de ações desse tipo que faz a indústria de construção subterrânea crescer tanto”, afirma o presidente da ITA.
O outro livro é resultado de um trabalho conjunto entre o Grupo de Trabalho 3 da ITA, que aborda práticas contratuais, e a Fidic – Federação Internacional dos Engenheiros Consultores. A Federação tem diversos livros publicados com diretrizes de práticas contratuais para diferentes tipos de obras, classificados por cores, mas não existia um específico para túneis. Ainda em 2018 deve ser lançado o livro de cor esmeralda, que vai tratar de práticas contratuais para obras subterrâneas. “Os livros da Fidic são muito importantes e adotados em muitos países. Faltava um sobre obras subterrâneas. Agora, graças ao convênio entre a ITA (por meio de seu Grupo de Trabalho 3) e a Fidic, ele será lançado e, certamente, fará a diferença para o mercado de obras subterrâneas”.
O livro se baseia em alguns conceitos cada vez mais aceitos mundialmente e que têm evitado muitos conflitos entre empreiteiros e proprietários de obras. Tais princípios resultam, a longo prazo, em obras mais baratas e construídas em menor prazo. “Infelizmente, outra vez o Brasil está na contramão na maioria dos empreendimentos privados ou públicos”, lamenta Tarcísio. “Aí estão as obras paradas cujos custos a população paga, além de não usufruir de seu benefício”.